parte III Conto Guy de Maupassant
Coisas lidas...
(...) durou isto três meses. Depois parti para a América, o coração esmagado de desespero. Mas a sua recordação ficou em mim. Possuía-me de longe como me possuía de perto. Passaram-se anos. Não a esquecia não a podia esquecer. (...) Parecia-me realmente que alguns meses apenas me separavam da encantadora estação balnear de Etart.
Na Primavera ultima fui jantar a Maison Lafitte, a casa de uns amigos. No momento em que o trem partia, uma dama bastante nutrida subiu para o meu wagon, acompanhada de quatro meninas. Relanceei o olhar para essa mãe galinha, muito larga, muito redonda, cujas as faces de lua cheia estavam emolduradas num chapéu de estação, com muitas flores e fitas de mau gosto. Respirava fortemente fatigada de ter marchado depressa. As crianças essas eram encantadoras! Abri o jornal do dia e pus-me a ler.
Acabávamos de passar a estação d'Asnieres quando a minha companheira de jornada me disse á queima-roupa:
Peço desculpa, não é o Sr. Carnier que tenho a honra de falar?
- Sim, minha senhora
E então ela desatou a rir, mas o riso contente, o largo riso de uma honesta e simples mulher, contudo um pouco triste.
- Não me reconhece?
Hesitava. Parecia-me com efeito ter visto algures aquela cara. Mas onde? Quando?
- sim... e não...conheço-a certamente minha senhora, mas sem poder lembrar-me do seu nome.
Ela fez-se um pouco vermelha
- Madame Júlia Lefréve
Nunca recebi um golpe semelhante. Pareceu-me que naquele segundo tudo acabara para mm. Senti unicamente que se rasgara um véu a meus olhos e que ia descobrir coisas horrorosas, desoladoras, cheias de uma tristeza amarga.
Era essa, gorda mulher tão burguesa, tão comum, ela! E tivera uma postura de quatro rapariguinhas desde que a deixei de ver. E esses pequeninos seres amados espantavam-me tanto como a própria mamã. Saiam dela; eram já crescidos, tinham o seu lugar á mesa da existência. E a mãe, a mãe não era já o que foi, uma flor coquete e fina, uma maravilha de graça e encanto. Vi-a ontem parecia-me até e hoje encontrava – a assim era pois possível? Uma dor violenta, funda, apertava-me o coração e também a revolta contra a própria natureza – uma indignação irreflectida, contra essa obra brutal, infame de destruição.