passaros de seda roosa lobato faria
coisas lidas
Foi por essa época que as saídas do tio Zebra para estrada se foram tornando cada vez mais prolongadas. Voltava de longe em longe com as mantas todas vendidas, sentava-se para lá das laranjeiras a alcançar o trigal com os olhos visionários, falava sozinho, assoava-se ao seu grande lenço vermelho, ás vezes extraia do talego uma machadinha de azeitonas, ficava a roê-las, a cuspir os caroços longe.
Um dia disse á minha mãe:
- Margarida, está na hora de me ir chegando por aqueles caminhos do mundo, que são feitos de alma que de terra. Foste a minha filha querida, a Tina e o Márito os meus netos, agora a Teca, também lhe quero muito, porque lhe vejo aquela vontade de fazer o Mário feliz, mas a minha missão aqui acabou. Sinto que alguém me chama doutro lugar, talvez outra mãe com outro menino ao colo, talvez a minha zebra milagrosa em feitio de nuvem e tenho que partir e não te entristeças porque a vida é assim mesmo.
Deixo – te a carroça, o macho Muchacho nunca se comparou com a Queijada, mas é bem mandado, come pouco, pode valer-te numa aflição.
Ah, e diz ao Márito que eu lhe comprei este olival aqui, que liga a nossa terra á horta que lhe deixaram os outros padrinhos, agora é tudo dele, que meta um caseiro que eu não te quero aí dobrada a mondar ervas e a sachar feijão.
São horas de abalar, fica com Deus Margarida, se as filhas se comprassem na feira era uma igualzinha a ti que eu escolhia, e não penses mais em mim, que estou sempre bem, com os pés na terra e a cabeça no céu e o coração em toda a parte e pernas ao caminho e algum comboio que me leve, ou barco de aventura ou caravana de ciganos, tudo serve a um homem que já não tem amarras com a vida das coisas e vai levezinho por esse mundo além.
Partiu. Com noventa e dois anos e o mais belo sorriso de todo o Alentejo.