Parte I Conta corrente de Virgílio Ferreira lido em 1995/96
Coisas lidas
Que estranha esta predisposição para me sentir culpado. De quê? Não sei. Deve ser esse sentimento que me leva ao “ moi haissable” sentirmo-nos satisfeitos em uma parte de nós, ao menos com aquela que os outros nos estimam e devia por isso ser estimável. Culpado de existir.
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Aqui estou eu diante do fogão e da memória. Sinto, todavia, cada vez mais o vou sentindo que a memória se retrai se reduz perde a extensão do indizível para lá do que se recordo. Assim, com a redução do futuro, a vida se restringe a punctualidade do presente. É um presente frio, neutro, materializado no puro acontecer olho o lume do fogão, ouço o rumor das suas chamas. E tudo em mim fica indiferente mesmo a essa indiferença. A amargura e todas as grandes convulsões da alma são uma variante da felicidade. Esgotada esta por inteiro, nada acontece e apenas se está.
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O silêncio não assimilado faz sempre imenso barulho.