A sereia e o pescador
Coisas Lidas
Num tempo muito distante, numa ilha, vivia um jovem pescador. Sua casa era feita de bambu e folhas de palmeira, se erguia solitária entre as palmeiras, bem longe do pequeno vilarejo que existia no centro da ilha.
Budi vivia sozinho e parecia ser feliz assim: quando pequeno, não frequentou a escola, mas mesmo assim construí uma filosofia em sua vida. E a cada dia seu isolamento se transformava numa solidão profunda, criando espaço somente para ele.
Toda a madrugada, Budi deixava a ilha em seu barco e ia pescar. Pela manhã retornava, levando ao mercado do vilarejo o fruto do seu trabalho.
O entardecer para Budi era um momento de muita alegria: ele se sentava na varanda da sua casa, em frente ao mar, observando o voo dos pássaros e o por do sol. Observava as gaivotas lá no alto, que sugeriam a ele uma sensação profunda de liberdade. Pareciam viver fora do tempo e do espaço, dizendo: «aqui podemos ser livres”.
Uma manhã, enquanto o pescador puxava a rede, ouviu alguém chorando. Com grande espanto, Budi percebeu que uma sereia estava presa na sua rede. Rapidamente, o jovem puxou-a para dentro do barco.
- Deixa-me ir! – Implorou sirena, a sereia. -Por favor, deixa-me ir embora!
Budi ficou paralisado com a surpresa:
- O que faz você aqui?
- Eu estava voltando a casa do meu pai, o rei dos mares-explicou a sereia entre lágrimas – parei um pouco para contemplar a beleza daquela ilha e, naquele momento, a sua rede me pegou.
- Você gosta daquela ilha? -perguntou o jovem com um tom de orgulho na sua voz-eu oro lá!
- É muito bonita – exclamou Sirena. Mas não é difícil viver lá, sozinho? Parece uma ilha deserta...
- Construí minha cabana longe do vilarejo. Para mim, a solidão é a melhor maneira de me sentir livre...
- Que coisa complicada -exclamou Sirena. Arregalando seus imensos olhos azuis – onde você aprendeu estas coisas?
- Ninguém me ensinou. Á tardinha, eu gosto de ficar pensando, observando o voo das gaivotas e contemplando o sol que lentamente desce o mar. A solidão é um meio de se entender as coisas. E gosto de viver assim.
- Então você é um sonhador.
- Acho que sim. Eu gosto de sonhar...Pode ser que eu esteja errado, mas essa é a minha maneira de viver...
A sereia, envolta com a conversa de Budi, queria conhecer mais sobre a sua vida e sobre os hábitos daquele sonhador solitário.
- Me fale mais de você...
- Não é que eu tenha muito a dizer... Todas as madrugadas vou ao mar para pescar, e nas manhãs levo os peixes ao mercado do vilarejo. À tardinha volto para casa, sento na varanda e me delicio com a visão do por do sol.
- Você apanha muitos peixes?
- Nem sempre. Às vezes não pesco nada.
- E sobre a sua solidão, o que você pode me dizer? – Insiste a sereia.
- Posso falar sobre a minha experiência a pescar e sobre as tormentas do mar. Mas como te posso explicar a solidão? Deve vive-la você mesma, para entende-la. Deve abandonar as coisas que hoje fazem parte da sua vida. Mas se você não conseguir se separar delas nunca poderá experimentar a verdadeira solidão.
A sereia teve uma ideia, e pediu:
- Posso viver com você, na ilha, por algum tempo?
A proposta pegou Budi de surpresa.
- Tenho medo que a sua presença, mesmo sem você querer, prejudique as opções que sofri tanto para fazer...
- Pois acho que é um risco que você poderia correr – observou Sirena com uma voz
Afectuosa – sonhar sozinho será sempre um sonho, sonhar juntos poderá ser o início de uma nova realidade.
- Pois saiba de uma coisa: estou convencido de que o meu mundo construído por mim com tanto sofrimento existe somente enquanto eu acredito nele; e sinceramente não sei se neste mundo existe espaço para você. Contudo, se quiser ficar comigo, tudo bem. Mas devo preveni-la: nunca espere nada de mim.
- Os dias que se seguiram foram extraordinários. Budi e Sirena estavam bem, partilhando juntos a solidão. A sereia seguia o jovem na sua pesca e, nadando na frente, indicava os locais cheios de peixe. Na casa, cozinhava e ajudava a remendar as redes.
Uma tarde Budi observava o voo das gaivotas e Sirena disse:
Budi, se um dia acontecer alguma coisa e você desaparecer no mar, pedirei aos deuses que me transformem numa gaivota. Assim, poderei procura-lo, esteja onde estiver.
Budi sorriu.
-não se preocupe -disse-isso nunca vai acontecer.
Mas aquilo foi um mau pressentimento. Uma noite, o jovem estava no alto mar com o seu barco e, de repente começou uma terrível tempestade. Sirena ficou em casa naquele dia, e rezava para que seu amigo pudesse voltar a casa são e salvo. Rezou e pediu durante muitos dias, mas enfim sua esperança morreu.
-deuses do céu e do mar – pediu ela – me transformem numa gaivota.
Seu desejo foi concedido imediatamente. Sirena transformou-se numa gaivota e no mesmo instante voou para procurar o jovem pescador.
Budi, porém, não estava morto: vivia numa ilha bem afastada, para onde a tempestade o arrastou. Durante todos esses dias o jovem trabalhava consertando o barco, quase todo destruído. Finalmente, após uma longa jornada voltou para casa. Quando chegou, descobriu que Sirena não estava mais lá.
Budi procurou-a por toda a ilha. Desesperado, passou dias e dias acordado, sentado à beira mar. Pela primeira vez percebeu o quanto à presença de Sirena era importante para ele. Os dias que passaram juntos encheram-no de sentimentos plenos e maduros. Sirena transformou-se num vínculo: um vinculo invisível, agora indissolúvel. Quanto mais Budi estava só, mais Sirena representava uma coisa real para a sua vida. E agora, sofria imensamente a sua falta.
As lembranças misturavam-se. Em sonhos, Budi ouvia sua doce voz de Sirena. Agora, que Sirena não estava mais lá, o jovem experimentava a estranha sensação de tê-la muito mais próxima que antes.
Numa tarde, ao por do sol, uma gaivota voou sobre a casa. Com gritos desesperados, o pássaro procurava chamar a atenção do pescador, sentado como sempre na sua varanda. Mas Budi não ouvia. Estava tão absorto nas suas dolorosas lembranças de Sirena, que não percebia nada ao seu redor. E assim, passaram-se anos. Quando o pescador morreu, os deuses tiveram pena dele e assim o transformaram numa gaivota. Só então louco de felicidade, Budi reencontrou Sirena, e com ela voou para bem alto, mais livre do que nunca!
Ettore Fasolini in fábulas da Ásia.