Coisas lidas
Lembra-se da história que nos contaram? Era tudo tão simples: passávamos uma fase complicada, em que o corpo mudava, as hormonas andavam aos saltos, tínhamos direito a duvidas, a trocar de objectos de paixão, a amuar, a bater com a porta, a chorar sem motivo, a rir sem razão. Diziam-nos que podíamos escolher o caminho que quiséssemos, que todas as oportunidades nos estavam abertas; permitiam-nos que avançássemos e recuássemos ao ritmo dos nossos medos e das nossas descobertas; toleravam que hesitássemos, que disséssemos que não estávamos completamente certos de que era por ali que desejávamos ir. Deixavam-nos olhar para o espelho, horas a fio, na tentativa de nos Encontrarmos do outro lado; permitiam-nos perdermo-nos nos olhos dos outros, em busca da nossa alma gémea e tantas vezes parecia que lá estava e não estava, e tantas vezes esteve.
Tinha um prazo este tempo, esta adolescência. Muitos de nós nem sequer a gozámos, quais alunos precoces que saltam uns anos e sacam o diploma antes de todos os outros, na tentativa de “evitar preocupações” aos nossos pais, de nos provarmos responsáveis e adultos.
Adultos mais tarde ou mais cedo, era a nossa meta que todos devíamos alcançar. E a partir daí as nossas escolhas passavam a definitivas. O curso, a profissão, uma carreira.
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No amor, era tempo do homem ou da mulher, que nos deixavam escolher, imagine-se, se em troca jurássemos que era para sempre. As dúvidas deveriam eclipsar-se na transição, da mesma forma que se pretendia que as lágrimas, seguidas de risos, dessem lugar a um humor sereno, sem extremos.
O estado adulto, ao contrário da infância e da adolescência, não tinha altos e baixos, fronteiras, nem passagens.
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No amor, o manual garantia que a paixão dava lugar a uma amizade, na opinião dos autores mais “saudável” e que, sem dúvida, permitia a segurança tão necessária ao crescimento dos filhos, que haveriam de chegar. Adeus ao arrebatamento, ao arrepio pela espinha, ás borboletas na barriga.
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E foi, e não foi e não foi ao mesmo tempo
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Um dia em que não podemos ignorar em nós sintomas de uma adolescência adolescência, outra vez? -, Um desejo imenso de mudança, um vazio a que não saibamos dar nome então não tinha tudo o que o manual nos prometia? – Uma insegurança extemporânea, um medo inexplicável de dar mais um passo, uma tristeza profunda ou uma raiva e um conformismo incompatível com a serenidade supostamente correspondente á idade, expressa no bilhete de identidade. Que doença era esta, que não víamos em mais ninguém, ou não estivéssemos todos a esconde-la uns dos outros?
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Mas o professor Eduardo as não vai na conversa. Ás vezes até enerva – por que raio parece querer virar tudo do avesso, por que não repete mais umas ideias feitas, daquelas que nos sossegam e nos impedem de pensar?
Porque será que me faz perguntas incómodas, porque quer saber se escondo o meu medo de não ser feliz por trás da afirmação de que tenho medo que o meu primogénito não o seja? Por que lhe diz, a si, que deve ter a coragem de fazer-se á vida, em lugar de esperar que a sua filha lha preencha?
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A nós, resta-nos aceitar aquilo que somos adolescentes para sempre. Porque ser adolescente, a sério é não desistir nunca “de ser o melhor do mundo para alguém»
Isabel Stillwel
Eduardo Sá
Quando a adolescência dos pais os “atropela” só os deixa serem...filhos, duas vezes. Filhos adolescentes que, ainda têm guardados na memória todos os riscos, e a maioria das asneiras, que viveram quando adolescentes, que lhes dão medo que os filhos os reeditem! Filhos, outra vez, quando pedem aos adolescentes os cuidados que só se pedem aos pais. Como quando ficam, entre sustos e amuos, á espera que os filhos lhes demonstrem, por gestos, o altruísmo, a ternura e a compreensão que talvez devessem ter primeiro.
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A adolescência dos pais ajuda-los-ia a ser mais pais. Umas vezes dialogando com as sua adolescência e, com isso, ganhando em tolerância (ao matizarem de bom senso alguns impulsos de fúria e de revolta. Noutras ganhando em firmeza sempre que, sem dialogarem, impõem a sua presença e algumas regras (em circunstancias semelhantes aquelas em que os seus pais foram omissos ou distraídos)
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A adolescência é o período da vida em que os adultos revêem muitas das convicções por que lutaram e que foram deixando “cair” com o crescimento. Algumas, são recordações ternas e ingénuas. Outras, trazem desconforto e levam a que se fuja de olhar para trás e a reconhecer, com estranheza, ter-se crescido para pior.
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Quase me sinto tentado a pedir-vos que me desculpem por dizer que é muito saudável ser-se adolescente. Passar-se, sem se dar conta, do medo de fazer, a pé, o caminho para a escola, ao deslumbramento de ter opiniões a preposito das pessoas, sobre o mundo e acerca do futuro. E, ainda, ter exageros, excentricidades, medos, gestos (ingénuos ou generosos), iras e ódios, sonhos, projectos megalómanos para varias vidas e paixões. E das ambições da adolescência, as paixões serão o que mais nos inquieta.
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Uma paixão, transforma-nos por dentro, leva-nos a entender como somos todos mais ou menos crianças ate que um primeiro amor nos surpreenda, e que, depois dele, ninguém é feliz sozinho. Pela luz que ela nos traz, uma paixão leva a sentir que pode morrer-se por amor. Morrer por amor não é uma descoberta, desconcertaste, da adolescência. É uma dor e que se imagina e que ás vezes, deixa saudade, sempre que cresce com a convicção de que nenhuma das relações que, entretanto, construímos, é intensa e desconcertante aponto de merecer uma ambição grande e trágica assim.
teremos morrido devagar, por falta de amor, e sem que déssemos por isso? Ou os nossos laços ter-se-ão repartido por diversas ligações noutras pessoas perto de nós?
Morrer por um amor (que se perde) é diferente de morrer com um amor (que se vive). Morrer por amor é humano; morrer de amor é doença.
Um amor de verdade é um “não sei se gosto mais de mim, de ti, ou de nós dois” e não serve para morrermos para a vida: torna-nos vivos e audazes, esperançosos, tolerantes, destemidos, curiosos. Um amor doente é um “gosto mais de mim do que de ti”. Prende os gestos, desvirtualiza a esperança, e silencia, devagar. Domestica e adormece, e mata, pouco a pouco, sem se dar por isso.
Pode-se morrer-se por dentro – como, talvez, tantos educadores tem morrido – com um amor doente: de indolência e devagar. Morrer pelo” psicologicamente correcto” : sem exageros, sem excentricidades, sem medos e sem gestos (ingénuos e generosos); sem iras e ódios, sem sonhos, sem projectos megalómanos para varias vidas, e sem paixões. Pode morrer-se por escassez de adolescência, sempre que tudo isto se torne de outro modo que não seja por saúde, e sempre que tudo isto se torne de outro modo que não seja por saúde, e sempre que valores como amizade ou solidariedade, expectativas como a de ser feliz, ou desencontros com o corpo, com a família ou, mesmo com a intimidade do pensamento, não façam parte da humanidade de todo o crescimento.
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A verdade é que a maioria dos adultos tolera melhor que o aparelho genital tenha falhas funcionais do que falhe porque "a cabeça", que o comanda, não encontra conciliação entre gestos sem erotismo e uma relação politicamente correcta. A verdade é que muitos adultos se sentem, infelizmente, pessoas mal amadas.
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Tanta sexualidade, em tantas estações, a quase todas as horas, com a desculpa de que "os espectadores são quem mais ordena" toma-nos a todos como cidadãos pouco mais que imbecis que, á falta de viverem a sexualidade com afecto que se recomenda aos adolescentes, se refugiam em alguns programas com uma resignação masturbatoria.
Num tempo em que a sexualidade é discutida com uma abertura mentirosa por muitos agentes educativos (que tentam assumir, diante dos seus alunos, a naturalidade com que não a vivem), e em que algumas cenas – não aconselháveis para menores de dezoito anos, no cinema – são, na televisão, " para todos", há quem reclame, para os adolescentes, o sexo dos anjos. O que seria do sexo dos anjos se, no céu, existissem antenas parabólicas?
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Em finais do sec XIX, um conjunto significativo de obras sobre os malefícios da masturbação, de onde se realçava uma, do Dr. Kellog, que reclamava residir numa alimentação dietética um recurso fundamental contra essa "praga", tendo criado, para o efeito, os celebres (e rentáveis) Corn Flakes. Não consta que – entre todos aqueles que, hoje, consomem esses flocos de cereais – haja muitos que o façam com a intenção para que foram criados pelo Dr. Kellog...
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Como terá sido a sexualidade de muitos pais e de inúmeros professores a ponto de raramente dizerem aos adolescentes que as paixões fazem bem á saúde e que são um tónico fantástico que os faz transcenderem-se e crescerem? Acreditarão eles, com convicção, que não se pode aprender a amar acertando-se no amor ao contrario do jogo – logo á primeira vez? Não terão sido essas aspirações de acertar "á primeira" nas relações amorosas que terão levado muitas pessoas a tomar o casamento como autorização familiar ("d papel passado") para "dormir " com alguém?
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Quem explica, afinal, aos adolescentes que o desejo é tão natural como a sede? E que a fidelidade, ao contrario das tradições, ainda é o que era: nunca existiu? E que é a diversidade de sentimentos e de contradições que faz com que cresçamos numa relação de verdade e de lealdade com o amor?
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Afinal, o que queremos: proteger os adolescentes da gravidez, das doenças sexualmente transmissíveis, ou estimulá-los a serem saudáveis, curiosos e apaixonados? Afinal, será falando dos riscos da sexualidade com que irão aprender o diálogo fantástico que ela permite entre duas pessoas?
É uma escola que os escuta mal que, desse modo, ensina os adolescentes a escutarem-se e a escutar? Afinal, é criando regras a ter no coito que lhes falamos da sexualidade? E que preservativos havemos de lhes sugerir para as suas fantasias? E, já agora, na ânsia de os protegermos dos riscos, não valerá a pena recomendar-lhes que não amem?
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A escola tem de educar para a liberdade, para a tolerância para o amor á vida. Com a certeza de que – ao contrario do que o Dr. Kellog imaginava e de muitas interpretações sobre o Viagra pressupunham – nas relações entre pessoas (e na sexualidade, também) para sermos felizes não precisamos de ser anjos, basta que a nossa liberdade comece onde começa a do outro
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Uma escola com dificuldades em aprender "atropela" com aulas e mais aulas os adolescentes, como se eles se devessem transformar em jovens tecnocratas de sucesso, com média de dezoito valores a todas as disciplinas. (a que media correspondem esses dezoito valores em maturidade para a vida? E como será quando, tragicamente, essa "clonagem" de jovens geniais se confrontar com os primeiros insucessos a que não saibam dar resposta?...
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Uma escola com dificuldades em aprender "castiga" com aulas de compensação alunos com dificuldades específicas nessa disciplina, sem entender que não há duas idênticas de pensar uma disciplina. E se um aluno tem dificuldades em pensar como o professor de física pensa a física, terá mais, ainda, perante a necessidade de compatibilizar as formas de pensar a física, por exemplo, do pai, do explicador de física... e do professor de física.
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A escola tem dificuldades em perceber que é ensinado o futuro que se compreende o passado, do mesmo modo que nós percebemos melhor aquilo que vivemos quando olhamos para trás e vemos mais longe. Por isso, uma escola que ensina a poesia trovadoresca em primeiro lugar e guarda Fernando Pessoa para quando já não houver mais aulas para cumprir o programa é uma escola que se assegura que a paixão está vedada a quem aprende.
Uma escola com dificuldades em aprender com os apelos dos adolescentes em relação ao amor pela vida, pretende transforma-los com a expectativa de que crescer bem é crescer sem riscos – em pessoas – que acertem, nas relações amorosas como na vida, á "primeira"