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Arvore De Letras

Coisas lidas,ouvidas,cantadas, declamadas,faladas,escritas

Arvore De Letras

Coisas lidas,ouvidas,cantadas, declamadas,faladas,escritas

14
Mai08

O PEDOFILO QUE QUERIA MUDAR DE VIDA

AnnaTree

Coisas lidas
Adoro brincar aos médicos já não tenho idade para isso, eu sei. Fiz quarenta e seis anos, e não sou médico. Sou advogado. Também por isso, conheço bem a gravidade da minha situação, sob um ponto de vista jurídico. É que eu não acho piada brincar aos médicos com pessoas da minha idade. Seria ridículo dois maduros fazerem operações ao apêndice. O meu forte – a minha fraqueza – é as crianças. Todos os dias pela manhã pespego-me á porta de uma escola primária, ou de um ciclo preparatório, com a minha bata e o estetoscópio, e lá fico, á espera da vítima. Adivinharam: sou pedófilo a culpa de ter chegado a esta situação, penso muitas vezes, é da Eugénia! Os momentos gloriosos que passamos por trás da garagem do teu pai. Não teríamos mais de dez anos. Brincávamos aos médicos, ás voltas com o estetoscópio o termómetro, as seringas (...) durante toda a minha vida de adulto, apesar das sete namoradas e dos dois casamentos, nunca mais senti a emoção daqueles momentos. A imagem da Eugénia, a rebolar-se de dores fingidas, persegue-me.
Mas lá conseguia levar sem grandes sobressaltos o meu dia-a-dia de pedófilo, ate que o tema saltou para as aberturas dos telejornais. Eram as redes organizadas na Bélgica e em França, a Margarida Marante a indignar-se pelo termo”pedofilia” ainda não estar inscrito no código penal. Comecei a sentir-me perseguido. Então era verdade. A pedofilia era uma coisa horrível vinha em todos os jornais: era uma perversão, uma doença um crime. De todos os pervertidos, explicavam os especialistas (...) o pedófilo era o mais hediondo, pois se aproveitava de seres inocentes e indefesos para consumar os seus repugnantes propósitos (...)
(...) o primeiro que encontrei foi o Sedas Feitichista de longa data, andava, como todas as noites a esgravatar nos caixotes de lixo” junta te a nós”, propôs quando lhe contei as minhas preocupações. “ Ao menos não incomodamos ninguém. Não me lembro de ouvir um soutien queixar-se, nem umas cuecas gritarem por socorro”.
Mas ao vê-lo assim, argumentar equilibrado nuns velhos sapatos de salto alto, compreendi a ilegítima intromissão na vida alheia que as paixões implicavam. Quem gostaria de ver as próprias peúgas rotas na cama com um desconhecido?
A seguir encontrei – me com o Calvário, que é masoquista, e com o Clemente, que se gaba de ser sádico.” Eu não faço mal a ninguém”, choramingou o Calvário. E o Clemente acrescentou “eu só faço mal a quem quer”. Tinha lógica. Mas bastou olhar para a prosápia de um e para o vexamento de outro para perceber como foram os respectivos complexo e remorso que os fizeram trocar os papéis. Pelo que quanto mais o sádico se fazia de masoquista e o masoquista de sádico mais ambos se sentiam desgraçados e uns abortos da natureza.
Idêntica sensação de fraude experimentei com as minhas amigas lésbicas Romana e Barbara. O que tornava a sua actividade não uma doença mas um estilo de vida era
O facto de, ao contrário do que sucede no caso dos pedófilos, serem ambas maiores e vacinadas, explicaram. A verdade, pensei eu, é que confundem a conclusão com a permissa. Se admitirmos a hipótese de as suas actividades serem uma doença mental, então nenhuma tem idoneidade para decidir pratica-las. De quem é a culpa, quando um inimputável?
Esta conclusão é aliás válida para os heterossexuais. Foi isso que expliquei a um casal amigo, Prócopio e Jarreta, quando me vieram com a ladainha do casamento e da reprodução. Com que direitos dá vida a quem não a pediu? Não será essa a forma suprema de abuso?
Já quase a desesperar, imaginei que a solução estivesse no radicalismo. Marquei encontro no jardim zoológico com o Zé Coelho, um colega advogado que há alguns anos, após um tratamento de psicanálise, descobriu que a sua vocação era a Zoofilia.
“Não se atenta contra a dignidade de ninguém, é como fazer experiências com ratos”, disse ele, junto á jaula do macaco. Mas o olhar malandro que lançou á gaiola da avestruz. Lembrou-me a frase de alguém: os animais, precisamente porque estão á nossa mercê, são o grande teste moral da humanidade.
Vinha-me embora quando me cruzei, á porta da casa de banho, com a minha amiga São (diminutivo de Excreção), que é coprofélica. Ora aqui está uma rapariga com um hobby inofensivo, pensei. Mas logo me desiludi. Com que direito alguém se serve de algo que outrem tão convictamente rejeitou?
Ultima tentativa: o meu copincha Epitáfio Paz. Uma pessoa adorável, não obstante ter uma opção sexual algo”sui generis”, é necrófilo. Vá lá! Não comecem já a estigmatizá-lo. Não se deve ter preconceitos. É preciso ser tolerante. Numa pessoa deve interessar-nos o que ela é, não com quem se deita á noite.
Epitáfio, pelo raiar da manhã, ainda todo despenteado á porta do cemitério, vinha precisamente de uma daquelas noites mais belas que os nossos dias”tenho a solução para o teu caso”, disse ele, com a voz cavernosa de quem acaba de se levantar” junta-te á malta. É um descanso. Faças o que fizeres a vitima nunca poderá ficar pior do que já está”. Tinha razão. Pelo menos de um ponto de vista material. No plano espiritual, as coisas complicavam-se. Que acontecerá á alma quando, no momento de se libertar do corpo, for surpreendida por tão ignóbil profanação? Com que cara comparece uma pessoa no juízo final enquanto o seu cadáver leva uma vida devassa?
Achei melhor voltar á minha vidinha na escola primaria. Mas, mal lá cheguei, deparei com algo estranho. Eh lá! Concorrência? Dentro de um carro, de bibe e estetoscópio ao pescoço estava uma mulher gorda mais ou menos da minha idade. Aproximei me. Tive um baque. Era ela! Eugénia? Tu também depois de todos estes anos?”ilusão! era apenas um policia, desajeitadamente disfarçado de pedófilo, que começou aos gritos:
«Mãos em cima do capot. Foste apanhado, tarado de merda! Estás preso!»
Paulo Moura

13
Mai08

ALVÍSSARAS A QUEM ENCONTRAR UMA ALMA PERDIDA IIIDE ISABEL STILWELL

AnnaTree

coisas lidas

Cassiopeia marcou uma consulta para o psiquiatra.
[...]
Passou os dedos pelas páginas amarelas e encontrou o Dr. Segismundo, de barba branca, deitado no próprio divã. Anos de desgraças alheias tinham-no envelhecido precocemente e, mais recentemente, fora invadido por um estranho cansaço.
Fizera analises, análises de sangue e análises das outras. As primeiras num laboratório de um amigo, a segunda com um colega doutorado mas, fora uns triglicéridos elevados e um super ego ligeiramente aumentado, não lhe diagnosticaram nada de grave. Dr. Segismundo conformara-se ao facto de a medicina, ainda não possuir resposta para tudo, e auto medicou-se com a decisão de permanecer o mais tempo possível na horizontal, tratamento que garantia estar a dar alguns resultados. Daí, explicava, a sua impossibilidade de facultar o divã aos clientes.
Mas Cassiopeia viu mais longe. Mal lhe pôs os olhos em cima compreendeu que encontrara alguém com um problema igual ao seu. E antes que o clinico pudesse dizer alguma coisa, abeirou-se dele e murmurou: «o Sr Doutor também a perdeu?»
O Dr. Segismundo não podia ver-lhe os olhos – por conta dos óculos escuros com que agora Cassiopeia se defendia da luz claro do dia, como um serralheiro se defende com a máscara das faúlhas de luz – mas acenou que sim, timidamente, com a cabeça.
[...]
Em conjunto estudaram novamente os manuais.
[...]
«Isolamento de afectos» exclamou o psiquiatra. Que lido dava qualquer coisa como isto: quando estamos perante um problema ou uma situação muito grave, que precisa de resposta urgente, canalizamos toda a nossa energia para a resolvermos; quando sofremos um desgosto que se sentíssemos nos deixava em fanicos, deixamos de sentir.
Nessas alturas, os nossos medos e as nossas emoções -ou nas palavras do psiquiatra «os nossos afectos» só atrapalham e, por isso, fechamo-nos á chave.
Ás vezes só por um dia ou dois. Ás vezes para sempre, quando a situação de crise se arrasta por tanto tempo que nos habituamos a viver só com a cabeça e esquecemo-nos do que armazenamos as emoções. As vezes, ficamos simplesmente com receio de abrir a porta do sótão, não vá o que para lá fomos atirando ao longo dos anos cair-nos em cima. Podemos «isolar os afectos» também, quando temos medo de partir a loiça toda, e então, pelo sim pelo não, amordaça-mo-los antes que nos levem a fazer uma loucura qualquer.
Ás vezes, ainda ás vezes, deixamos de sentir, porque sentir cansa, e para sentir é preciso ter as pilhas carregadas, e quando elas se descarregam, pronto, vai abaixo o sinal e entramos em piloto automático. Não eram bem estas palavras que lá vinham escritas, mas foi isto que Cassiopeia entendeu.
 

09
Mai08

ALVÍSSARAS A QUEM ENCONTRAR UMA ALMA PERDIDA IIDE ISABEL STILWELL

AnnaTree

coisas lidas
[...]
Quando o marido chegou Cassiopeia, encheu-se de coragem. Sentada á lareira, com o croché nas mãos, perguntou-lhe se encontrava nela alguma coisa diferente. Josué tirou os olhos dos extractos bancários e exclamou: «Foste ao cabeleireiro! Desculpa não ter reparado»
As guedelhas despenteadas da esposa quase que se içaram sozinhas, num gesto de revolta. Cassiopeia riu baixinho, virando os olhos de novo para o crepitar da lareira.
Tentou puxar pela memória, lembrar-se do que sentira em tempos por Josué. Via lugares, via sítios, via moveis, via camas, conseguiria descrever em pormenor o que vestia, o que ele vestia, o som dos foguetes nas festas de Agosto, recordava palavras, frases inteiras via-se como numa fotografia, a rir, a rir ás gargalhadas, a chorar, lágrimas imensas nas, bolas, raios, coriscos, não conseguia associar-lhes qualquer emoção. Não conseguia sentir o que tinha sentido., tudo aquilo não passava de um arquivo morto.
A boa educação não fazia parte da alma, mas as emoções, essas, certamente pertenciam-lhe ou, pelo menos, tinham fugido em simultâneo.
Nem sombra das emoções.
[...]
Cassiopeia pôs um anúncio no jornal: «Dão alvíssaras a quem encontrar uma alma perdida». No remetente constava apenas um apartado. Mas ninguém respondeu.

 

06
Mai08

ALVÍSSARAS A QUEM ENCONTRAR UMA ALMA PERDIDA I DE ISABEL STILWELL

AnnaTree
coisas lidas
Cassiopeia tinha perdido a alma. Não fazia a menor ideia de onde a tinha deixado. Já voltara á caixa de supermercado onde se fora aviar das compras para o mês, passara nos correios – tê-la-ia enviado junto com a carta para a mãe? - Perguntara ao motorista da carreira se, porventura, a deixara caída entre os bancos. Redondos nãos foi tudo o que recebeu de resposta.
[...]
Depois, conformou-se. Talvez voltasse pelo seu próprio pé. Estirou-se em cima da cama e ficou a contemplar as folhas que mexiam ao vento, do lado de lá do vidro da janela. Sentia-se completamente vazia. Nem triste, nem contente. Nem com vontade de rir nem com vontade de chorar. Sabia que as nuvens eram nuvens, mas era incapaz de fazer sentido das suas formas. Nunca, ate hoje, vira nuvens que não passavam de nuvens. Cassiopeia levantou-se e foi ver-se ao espelho. Pressentia que ia deparar-se com uma Cassiopeia diferente mas, aparentemente, tudo estava igualzinho. Por fora estava tudo igualzinho. Cassiopeia decidiu ir á rua, apanhar ar. Talvez fosse buscar a filha mais cedo ao colégio. Ainda pensou em ligar para o marido – teria pegado na sua alma por engano; á mistura com os papeis e dossiers que trazia sempre para casa todas as noites e onde, todas as noites permanecia mergulhado? Mas não, pensou alto Cassiopeia, mesmo que ele a visse não a reconheceria. Logo á noite vasculharia ela própria na pasta de couro castanho que lhe oferecera á muitos anos.
[...]
Via o mundo como quem está a ver um filme. De fora. Os neurónios, esses, pareciam estar a funcionar normalmente, os pés e as mãos obedeciam ás suas ordens e cumprimentava quem a cumprimentava. A boa educação não estava, afinal, incorporada na alma, concluiu.
Nem a solidariedade, a generosidade e essas coisas, dissesse o que dissesse o catecismo. Então não correra imediatamente a ajudar a velhinha que tropeçara num daqueles malditos buracos que enchem as nossas ruas?
[...]
Estranha coisa esta da alma, pensou. Frio e calor, mas nem lágrimas, nem risos. Os gestos idênticos e, no entanto, completamente ocos. Tinha a sensação de que repetia automaticamente uma peça que sabia de cor. Só isso.
02
Mai08

FÁBULA DO PAÍS DE SÓCRATES

AnnaTree
Coisas que me mailaram!

Uma adolescente de 16 anos pode fazer livremente um aborto mas não pode por um piercing.

Um cônjuge para se divorciar, basta pedir.

Um empregador para despedir um trabalhador que o agrediu precisa de uma sentença judicial que demora 5 anos a sair.

Na escola um professor é agredido por um aluno. O professor nada pode fazer, porque a sua progressão na carreira está dependente da nota que dá ao seu aluno.

Um jovem de 18 anos recebe €200 do Estado para não trabalhar; um idoso recebe de reforma €236 depois de toda uma vida do trabalho.

Um marido oferece um anel à sua mulher e tem de declarar a doação ao fisco.

O mesmo fisco penhora indevidamente o salário de um trabalhador e demora 3 anos a corrigir o erro.

Nas zonas mais problemáticas das áreas urbanas existe 1 polícia para cada 2.000 habitantes; o Governo diz que não precisa de mais polícias.

Numa empreitada pública, os trabalhadores são todos imigrantes ilegais, que recebem abaixo do salário mínimo e o Estado não fiscaliza.

Um cão ataca uma criança e o Governo faz uma lei.

Um professor é sovado por um aluno e o Governo diz que a culpa á das causas sociais.

O IVA de um preservativo é 5%. O IVA de uma cadeirinha de automóvel, obrigatória para quem tem filhos até aos 12 anos, é 21%.

Numa entrevista à televisão, o Primeiro-Ministro define a Política como 'A Arte de aprender a viver com a decepção.


Estaremos, como Portugueses, condenados a aprender a viver com este Primeiro-Ministro?

Pág. 2/2

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