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Arvore De Letras

Coisas lidas,ouvidas,cantadas, declamadas,faladas,escritas

Arvore De Letras

Coisas lidas,ouvidas,cantadas, declamadas,faladas,escritas

17
Mar09

A VIDA MAIS OU MENOS

AnnaTree

Coisas Lidas

 

Parece que nestes últimos tempos se podia ler acerca de ti nos jornais: que eras a maior especialista em vieira da segunda metade do século vinte, que foste uma professora de excepção, uma intelectual brilhante, que sobre o barroco ninguém como tu e patati e patatá, e para além de se poder ler nos jornais, o teu retracto (...) iluminava a pagina. Qualquer coisa de pássaro: não falavas muito, não sorrias muito, só nos pretéritos perfeitos se notava o teu sotaque do norte, a voz do meu pai ao telefone
a margarida morreu agora mesmo
a voz da minha mãe
havia uma empatia especial entre vocês os dois nunca tinha ouvido a minha mãe usar a palavra empatia e percebi que estava comovida porque a minha mãe não fala desse modo, ao chegar ao hospital Cuf o Miguel vinha a sair, acho que nunca nos abraçamos com tal força, depois fechei-me com o João no gabinete dele
(há séculos que não via o João de bata)
e
(sabes como são os Lobo Antunes, sabes como é o João)
não dissemos quase nada um ao outro e estávamos os dois tristes mas quando saímos para o corredor julgo que disfarçamos bem. Nessa noite sentei-me na mesa da cozinha com os meus pais
(o tempo das criadas acabou-se)
a minha mãe servia o jantar, discutimos Herculano o tempo todo
(conheces o estratagema da família: mal a gente se comove começa a discutir Herculano ou Antero ou Eça de Queiroz)
e nisto o pai levantou-se com a brusquidão do costume, ouviram-se os passos dele nas escadas e ao descer, mostrou-me sem uma palavra uma dedicatória tua num livro em que dizias que gostavas muito dele: espantei-me transgredires uma das regras que é a de gostar sem nos referirmos a isso, por pudor, por descrição, porque não é preciso. Ao sair da casa de Benfica pensei
vou á igreja
e não fui capaz
(tu sabes que eu não era capaz)
primeiro por me sentir esquisito
(e patati e patátá)
segundo por não querer tomar conhecimento que morreste. Tenho uma fotografia tua na praia com o Zé Maria pequenino e estas muito bonita nela, de pé, com a cabeça baixa, a olhares o teu filho numa atitude do corpo, um bocadinho inclinado para a direita, que conservaste toda a vida!
O enterro foi no sábado levei o pai e o azul dos olhos dele
(igual ao azul dos olhos de nós todos)
impressionou-me. Não me lembro o escritor que discutíamos
(imagino o teu sorriso ao leres isto)
e todavia lembro-me de querer ficar para trás e de o Miguel me chamar. De modo que após a carreta ia a tua mãe, o teu irmão e o Miguel, e eu a seguir abraçado ao Zé Maria e ao João Maria, aflito como o diabo, sem ver ninguém, os meus irmãos, logo atrás de mim, sou padrinho do Zé Maria, sou padrinho do mais velho dos teus filhos, estávamos um bocado tensos
(quando escrevo um bocado tu percebes)
e como ias á frente não me viste chorar. Não imaginas a quantidade de enterros que há ao sábado dá ideia que as pessoas
(nisso não foste muito original)
esperam a sexta feira para morrer e incomodarem menos a família porque aos sábados não é costume trabalhar-se. Vai-se ao supermercado e é um pau. O resto passou-se depressa: desceram o caixão, deitaram terra por cima, as flores sobre a terra, ainda estou a ver o Miguel á beira da cova
(hei-de recordar-me sempre do Miguel, direito, á beira da cova, quis fazer-lhe uma festa ou dar-lhe um beijo
e patati e patata
e não dei, claro)
e a seguir, pronto, viemo-nos embora. Tenho uma vaga ideia de estar bastante gente, tenho uma vaga ideia de bochechas molhadas tenho uma vaga ideia de a alavanca das mudanças do automóvel não funcionar. Logo nesse dia caramba, a merda da alavanca que funcionava sempre. Agora estou aqui sentado á espera do natal. E que no natal vens
é o costume
ter comigo para autografar um livro e leva-lo ao Porto ao teu pai. De fevereiro a dezembro, parecendo que não, é imenso tempo.
Pode ser que telefones antes
(as vezes telefonas)
a pretexto de me garantires que na tua opinião sou um grande escritor. Nas ultimas semanas telefonaste bastante. Claro que não vou contar, as nossas conversas mas passo a explicar que na ultima
eu depois ligo
deste a entender que dentro em breve te ouvia. E agora desculpa acabar de repente porque a campainha está a tocar e é capaz de seres tu
António é a margarida
é melhor que sejas tu já que patati e patata
mesmo que não mostre, e faço os possíveis por não mostrar, tenho saudades de te ouvir. Que gaita de coisa ter tantas saudades de te ouvir

António Lobo Antunes

 

13
Mar09

O último voo do flamingo Mia Couto XX

AnnaTree

Coisas Lidas
Eles falam assim, citando e recitando. Que posso fazer? São pretos, sim, como eu. Contudo, não são da minha raça. Desculpe, Excelência pode ser que eu seja um racista étnico. Aceito. Mas esta gente não me comparece. Ás vezes, até me pesam por vergonha que tenho neles. Trabalhar com as massas populares é difícil.
(...)

Minha esposa, a ex-camarada Ermelinda, também não me ajuda. Ela adora os poderes e as riquezas, mas recebe as más influências. Ás vezes, ela frequenta as missas pouco católicas desse padre Muhando. Mesmo desconfio que ela visita-se lá no feiticeiro, o tal Zeca Andorinho. E depois, em consequência, Ermelinda se irrita comigo a ponto de discutirmos nas vistas do público. Até chamou-me belzeburro. Veja. E disse que, afinal, o padre Muhando tinha razão: o inferno já não aguenta tantos demónios. Estamos a receber os excedentes aqui na Terra. Um género de deslocados do Inferno, está a entender?
E nós, os antigos revolucionários, fazemos parte desses excedentes. Aquilo são palavras do Muhando, tenho a certeza. Fomos socialistas aldrabões, somos capitalistas aldrabados! É que se antes tinha duvidas, agora tenho dividas.

11
Mar09

O último voo do flamingo Mia Couto IXX

AnnaTree

Coisas Lidas
(...)
Até já pensei ser feitiço encomendado por causa do meu enteado Jonassane. O senhor sabe: ele anda metido em maltas duvidosas que roubam e até inclinam para negócios de droga. Eu estou preocupado e, inclusive, lhe entreguei a ambulância que um projecto mandou para apoiar a saúde. Eu desviei a viatura para o moço fazer uns negócios de transporte. Entretinha-se e sempre rendia. Mas depois, complicaram-me com essas manias de corrupção não corrupção e acabei devolvendo a ambulância. Estou agora a pedir a uns sul-africanos que querem instalar – se aqui uma nova viatura. Eles entregam, eu facilito. É incorrecto? Ermelinda nega, peremptoriamente: quem não chora não come. Afinal, como se passa. A gente tem que chamar a moral para a nossa vida quando ela, a moral, não quer saber de nós para nada? Bons, isto são pensamentos de trazer por casa (...) aguarda diferimento das suas desculpas. Agora, no distrito, só se ouvem estorias, contadeirices. O povo fala sem nenhuma licença, zunzunando sobre as explosões.

09
Mar09

O último voo do flamingo Mia Couto XVIII

AnnaTree


 


Coisas Lidas
Ermelinda, primeiro, parecia confusa. Depois insistiu na duvida, rodopiando os dedos em volta das marcas no mal afamado copo.
- Com que então o major, hein?
- Que quer, esposa? São questões culturais.
- E apanhar no cu também é uma questão cultural?
Não podia admitir aquela linguagem. Mas no momento até ganhava vantagem naquela confusão. Foi quando entraram os outros capacetes azuis, junto com os outros militares. Mexeram e remexeram: procuravam o quê? Exactamente, o apêndice do paquistanês. Minha esposa, com riso sardónico, exclamou:
- Ah, é isso que procuram? Pois perguntem aqui ao administrador.
Eu apontei para o tecto, já desfalecido nas pernas. Foi então que uma tortura me ensombrou e eu me desvaneci no meio do chão. Trouxeram me, todo dependurado, sem consciência nem consistência. Fiquei desmaiado um tempo. Quando acordei me apalpei da cabeça aos pés. Queria garantir-me inteiro e intacto. Depois, sorri, aliviado: mais uma vez eu chegava a acreditar me no reino dos explodidos, alma em farelo, corpo em poeira.

08
Mar09

A Falsa Emancipação da Mulher

AnnaTree

 

Actualmente, tem-se a pretensão de que a mulher é respeitada. Uns cedem-lhe o lugar, apanham-lhe o lenço: outros reconhecem-lhe o direito de exercer todas as funções, de tomar parte na administração, etc.; mas a opinião que têm dela é sempre a mesma - um instrumento de prazer. E ela sabe-o. Isso em nada difere da escravatura. A escravatura mais não é do que a exploração por uns do trabalho forçado da maioria. Assim, para que deixe de haver escravatura é necessário que os homens cessem de desejar usufruir o trabalho forçado de outrem e considerem semelhante coisa como um pecado ou vergonha. Entretanto, eles suprimem a forma exterior da escravatura, depois imaginam, persuadem-se de que a escravatura está abolida mas não vêem, não querem ver que ela continua a existir porque as pessoas procedem sempre de maneira idêntica e consideram bom e equitativo aproveitar o trabalho alheio. E desde que isso é julgado bom, torna-se inveitável que apareçam homens mais fortes ou mais astutos dispostos a passar à acção. A escravatura da mulher reside unicamente no facto de os homens desejarem e julgarem bom utilizá-la como instrumento de prazer. Hoje em dia, emancipam-na ou concedem-lhe todos os direitos iguais aos do homem, mas continua-se a considerá-la como um instrumento de prazer, a educá-la nesse sentido desde a infância e por meio da opinião pública. Por isso ela continua uma escrava, humilhada, pervertida, e o homem mantém-se um corruptor possuidor de escravos.

Leon Tolstoi, in 'Sonata a Kreutzer'

 

OUVIDO NO AMOR É:

A MULHER É O NEGRO DO MUNDO(YOKO/LENNON DIX IT)

 

 

06
Mar09

If I Were A Boy - Beyoncé

AnnaTree


If I were a boy
Even just for a day
I’d roll outta bed in the morning
And throw on what I wanted then go
Drink beer with the guys
And chase after girls
I’d kick it with who I wanted
And I’d never get confronted for it.
Cause they’d stick up for me.

If I were a boy
I think I could understand
How it feels to love a girl
I swear I’d be a better man
I’d listen to her
Cause I know how it hurts
When you lose the one you wanted
Cause he’s taken you for granted
And everything you had got destroyed.

If I were a boy
I would turn off my phone
Tell everyone its broken
So they’d think that I was sleepin’ alone
I’d put myself first
And make the rules as I go
Cause I know that she’d be faithful
Waitin’ for me to come home
To come home.

If I were a boy
I think I could understand
How it feels to love a girl
I swear I’d be a better man
I’d listen to her
Cause I know how it hurts
When you lose the one you wanted
Cause he’s taken you for granted
And everything you had got destroyed.

It’s a little too late for you to come back
Say its just a mistake
Think I’d forgive you like that
If you thought I would wait for you
You thought wrong.

But you’re just a boy
You don’t understand
Yeah you don’t understand
How it feels to love a girl someday
You wish you were a better man
You don’t listen to her
You don’t care how it hurts
Until you lose the one you wanted
Cause you’ve taken her for granted
And everything you have got destroyed.
But you’re just a boy

 


 

 

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