Coisas Lidas
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Uma vez em África andava eu no mato, quando vejo uma zebra maluca as cabeçadas as arvores e afligi-me todo porque o animal nao era dali e ia espatifar-se fora do seu horizonte.
Alto, bicho bonito! Vem ao pé de mim que te levo para a tua savana, nem que nessa caminhada demore o resto da minha vida. Olhou-me com os olhos tão meigos que vi logo que me tinha entendido, os animais entendem as palavras e as intenções por detrás delas, caminhou ao meu lado como burro doméstico, era uma fêmea, ao fim de três horas ajoelhou para que eu montasse. E assim andamos dois dias, dorme aqui, avança acolá, cheirávamos a água do rio mas não alcançávamos de lá chegar, ao terceiro dia, mais mortos que vivos, avistamos a margem e bebemos.
Do outro lado da savana, a zebra havia de atravessar a nado, eu voltaria para trás, mas não sei porque deu-me um nó na garganta e á zebra também, que me rodeava a cabeça no meu peito e não partia.
Fui á caça de alguma coisa para comer, depenei o meu pássaro, fiz uma fogueira para assa-lo, pensei. Agora vai fugir com medo do lume, mas não, deitou-se ao meu lado como se esperasse alguém ou alguma coisa. Porque já sabia que me escutava falei-lhe de manso, zebra minha amada, a tua vida não é deste lado do rio, tens que ir – te á procura dos teus, ninguém vive bem sozinho e uma zebra muito menos, tens a tua manada, todas as riscas bonitas como tu, pretas e brancas, a explicar aos homens que preto e branco se misturam na maior beleza, eu sei que és minha amiga e que me estas agradecida, mas chegou a hora de dizermos adeus. Correu um pouco pela margem, experimentou a agua. Agora é que vai, qual que, eu estava deitado com as mãos debaixo da nuca, voltou para trás, deitou-se, pousou a cabeça no meu peito e adormeceu.
Era um peso enorme, mas não quis enxota-la, havia de parecer – lhe ingratidão, lá adormeci e á medida que dormia o peso fez-se mais leve e no meio da noite acordei de repente e tinha uma mulher nos meus braços e uma pele de zebra a cobrir-nos aos dois. Ela era negra, linda, macia e cheirosa, apertou contra o meu o seu corpo nu e ali nos amamos e nunca, nos dias da minha vida, amei nenhuma que se lhe comparasse.