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Arvore De Letras

Coisas lidas,ouvidas,cantadas, declamadas,faladas,escritas

Arvore De Letras

Coisas lidas,ouvidas,cantadas, declamadas,faladas,escritas

17
Jan10

proverbios

AnnaTree

«em Israel para se ser realista é preciso acreditar em milagres» David Ben Gurion

 

« o problema dos judeus é que têm demasiada historia e pouca geografia» IsaíasBerlin

 

«Dois judeus, vinte sentenças» Provérbio

14
Jan10

poesia Rosa Lobato Faria

AnnaTree

Coisas Lidas


Afirmas que brigámos. que foi grave.
Que o que dissemos já não tem perdão
Que vais deixar a tua chave
E vais á cave içar o teu malão.

Mas como destrinçar os nossos bens?
Que livro? Que lembrança? Que papel?
Os meus olhos , bem vês, és tu que os tens.
Não te devolvo – é minha!! –a tua pele.

Achei ali um sonho muito velho, não sei se o queres levar, já está no fio.
É o teu casaco roto, aquele vermelho
Que eu costumo vestir quando está frio?

E a planta que eu comprei e tu regavas?
E o sol que dá no quarto de manhã? É meu o teu cachorro que eu tratava?
É teu o meu canteiro de hortelã?

A qual de nós pertence este destino?
Este beijo era meu? Ou já não era?
E o que faço das praias que já não vimos?
Das marés que estão lá á nossa espera?

Dividimos ao meio as madrugadas? E a falésia das tardes de Novembro?
E as sonatas que ouvimos de mãos dadas?

De quem é esta briga? Não me lembro.

 

12
Jan10

O DIA EM QUE FUZILARAM O GUARDA-REDES DA MINHA EQUIPA

AnnaTree

Coisas Lidas

Nós éramos os do muro, sentadiços. Os outros corriam os futebois, dispensavam suores. Enquanto nós, não. As meninas passavam, com as suas batas brancas, pareciam aprendizes de garças. Os outros perseguiam – nas caçando simpatias. Nos ficávamos no muro, olhos trincando as sombras femeameninas.
Nosso futebol era ali, na mesa dos matraquilhos do Bar Viriato. A mesa de jogo dormia fora do bar, ao dispor do luar que tombava no pátio. Era tão pesada que nenhum ladrão punha nela sua cobiça. Os roubadores daqueles tempos tinham dedos tremedrosos, eram gente de pequeno empreendimento.
Naquele pátio do Bairro Matacuene ficava o estádio do nosso encantamento. Era ali que vibravam as nossas multidões quando a pequena bola de madeira escorrecaía no buraco da baliza. Mas nós, sem idade e com as raças todas á mistura, só podíamos frequentar o imaginário relvado no intervalo dos outros. A mesa dos matraquilhos era nossa só quase as vezes. No resto, pertencia aos tropas, soldados que abundavam por aqueles lados. O Viriato ficava na fronteira dos mundos, subúrbio dos subúrbios.
Sempre quando há cartéis, os bairros perdem seus nomes civis. E o nosso lugar era agora chamado de Zona do Quartel. Com o novo nome vieram as prostitutas e encheram os bares com as suas grandes pernas cruzadas. Mesmo em nossos sonhos aquelas pernas se descruzavam entre os lençóis que transpiravam. Por isso, nossos pais já não permitiam que parássemos pelos lados do Bar. Os receios deles careciam de fundamento. Nós só entravamos no exterior. Lá dentro, apenas nossa curiosidade espreitava.
Mas a brincadeira dos matraquilhos custava cada vez mais preço. A moeda roubávamos lá em casa descarteirando eu de meu pai e Nandito não se sabe de onde. A moedinha abria o momento mágico. A gente metia na ranhura e a maquina expedia suas nove bolinhas, já tão gastas que coxeavam em cada volta de seus épicos percursos.
Foi quando se deram os casos chamados para estoria. Primeiro acharam graça: apareceu um dos bonequinhos pintados de preto. O avançado do centro da minha equipa tinha mudado de raça, da noite para a madrugada. Os soldados portugueses, quando chegaram, fizeram riso e alcunharam o novo matraquilho de Eusébio.
Depois, aparecerem mais três avançados, subitamente transcoloridos. Ainda encontraram piada, anedotaram. Distribuíram mais nomes: coluna. Vicente, Matateu. Só o dono do bar é que ventilou ameaças: se descubro o sacana do pintor, ai de quem!
Um dia a mesa amanheceu com todos os jogadores de raça negra. No Bar Viriato, bem luso de seu nome e propriedade, figuravam os matraquilhos mais africanos dói mundo.
Eu e o Nandito apresentamo-nos bem cedinho, madrugada recém-estreada. Não tocamos no jogo, ficamos espectadores. Olhávamos as gotinhas de cacimbo, rebrilhando nas botas dos bonequinhos.
Ate que surgiram os tropas, barulhosos, donos.
Chegaram-se aos matraquilhos e trocaram suas admiracoes. Dessa vez, ninguém riu. Ao inverso, havia uma raiva partilhada que multicrescia. De repente, um dos soldados se deu de berrar salivando raivas. Os outros tentavam acalmar-lhe as fúrias. Mas nada, o homem se atestara de ódios. Súbito, retirou do cinto uma pistola e em volta fechou-se o silêncio, solene. Parecia cinema, o Nandito olhava de espanto cheio: aquilo já não era Viriato, era o Saloon. E aquele soldado acenando a pistola era o Clint Eastwood, o Rambo dos tempos. Quem sabe foi por causa desse estado de maravilhacao que o Nandito não ouviu gritarem quando o soldado louco apontou sobre o guarda-redes da minha equipa. O tiro soou e o pequeno boneco esvoou, salpicando estilhaços, mais súbitos que o sangue.
Ainda hoje aquele tiro continua ressoando em minha vida, junto com outro grito que, por engano de um relâmpago, me pareceu sair do bonequinho alvejado.
Mia Couto

10
Jan10

O Vagabundo na Esplanada - Manuel da Fonseca

AnnaTree

mais um texto dado nas aulas de portugues.

 


Coisas dadas nas aulas de português

 

O vagabundo, de mãos nos bolços das calças, vinha, despreocupadamente, avenida abaixo.

Cerca de cinquenta anos, atarracado, magro, tudo nele era limpo, mas velho e cheio de remendos. Sobre a esburacada camisola interior, o casaco, puído nos cotovelos e demasiado grande, caía-lhe dos omboros em largas pregas, que ondulavam atrás das costas ao ritmo lento da passada. Desfiadas nos joelhos, muito curtas, as calças deixavam à mostra as canelas, nuas, finas de osso e nervo, saídas como duas ripas dos sapatos cambados. Caído para a nuca, copa achatada, aba às ondas, o chapéu semelhava uma auréola alvacenta.

Apesar de tudo isso, o rosto largo e anguloso do homem, de onde os olhos azuis-claros irradiavam como que um sorriso de luminosa ironia e compreensivo perdão, erguia-se, intacto e distante, numa serena dignidade.
Era assim, ao que se via, o seu natural comportamento de caminhar pela cidade.
Alheado, mas condescendente, seguia pelo centro do passeio com a distraída segurança de um milionário que obviamente se está nas tintas para quem passa. Não só por educação mas também pelos simples motivo de ter mais e melhor em que pensar.
O que não sucedia aos transeuntes. Os quais, incrédulos ao primeiro relance, se desviavam, oblíquos, da deambulante causa do seu espanto. E à vista do que lhes parecia um homem livre de sujeições, senhor de si próprio em qualquer circunstância e lugar, logo, por contraste, lhes ocorriam todos os problemas, todos os compadrios, todas as obrigações que os enrodilhavam. E sempre submersos de prepotências, sempre humilhados e sempre a fingir que nada disso lhes acontecia.
Num instante, embora se desconhecessem, aliviava-os a unânime má vontade contra quem tão vincadamente os afrontava em plena rua. Pronta, a vingança surgia. Falavam dos sapatos cambados, do fato de remendos, do ridículo chapéu. Consolava-os imaginar os frios, as chuvas e as fomes que o homem havia de sofrer. No entanto alguém disse:
– Devia ser proibido que indivíduos destes andassem pela cidade.
E assim resmungando, se dispersavam, cada um às suas obrigações, aos seus problemas.
Sem dar por tal, o homem seguia adiante.
Junto dos Restauradores, a esplanada atraiu-lhe a atenção. De cabeça inclinada para trás, pálpebras baixas, catou pelos bolsos umas tantas moedas, que pôs na palma da mão. Com o dedo esticado, separou-as, contando-as conscienciosamente. Aguardou o sinal de passagem, e saiu da sombra dos prédios para o sol da tarde quente de Verão.
A meio da esplanada havia uma mesa livre. Com o à-vontade de um frequentador habitual, o homem sentou-se.
Após acomodar-se o melhor que o feitio da cadeira de ferro consentia, tirou os pés dos sapatos, espalmou-os contra a frescura do empedrado, sob o toldo. As rugas abriram-lhe no rosto curtido pelas soalheiras um sorriso de bem-estar.
Mas o fato e os modos da sua chegada haviam despertado nos ocupantes da esplanada, mulheres e homens, uma turbulência de expressões desaprovadoras. Ao desassossego de semelhante atrevimento sucedera a indignação.
Ausente, o homem entregava-se ao prazer de refrescar os pés cansados, quando um inesperado golpe de vento ergueu do chão a folha inteira de um jornal, e enrolou-lha nas canelas. O homem apanhou-a, abriu-a. Estendeu as pernas, cruzou um pé sobre o outro. Céptico, mas curioso, pôs-se a ler.
O facto, de si tão discreto, pareceu constituir a máxima ofensa para os presentes. Franzidos, empertigaram-se, circunvagando os olhos, como se gritassem: "Pois não há um empregado que venha expulsar daqui este tipo!" Nas caras, descompostas pelo desorbitado melindre, havia o que quer que fosse de recalcada, hedionda raiva contra o homem mal vestido e tranquilo, que lia o jornal na esplanada.
Um rapaz aproximou-se. Casaco branco, bandeja sob o braço, muito senhor do seu dever. Mas, ao reparar no rosto do homem, tartamudeou:
– Não pode...
E calou-se. O homem olhava-o com benevolência.
– Disse?
– É reservado o direito de admissão – tornou o rapaz, hesitando. – Está além escrito.
Depois de ler o dístico, o homem, com a placidez de quem, por mera distracção, se dispõe a aprender mais um dos confusos costumes da cidade, perguntou:
– Que direito vem a ser esse?
– Bem... – volveu o empregado. – A gerência não admite... Não podem vir aqui certas pessoas.
– E é a mim que vem dizer isso?
O homem estava deveras surpreendido. Encolhendo os ombros, como quem se presta a um sacrifício, deu uma mirada pelas caras dos circunstantes. O azul-claro dos olhos embaciou-se-lhe.
– Talvez que a gerência tenha razão – concluiu ele, em tom baixo e magoado. – Aqui para nós, também me não parecem lá grande coisa.
O empregado nem podia falar.
Conciliador, já a preparar-se para continuar a leitura do jornal, o homem colocou as moedas sobre a mesa, e pediu, delicadamente:
– Traga-me uma cerveja fresca, se faz favor. E diga à gerência que os deixe ficar. Por mim, não me importo.

 

08
Jan10

rosa Lobato faria

AnnaTree

Coisas declamadas


amei-te com as palavras
com o verde ramo das palavras
e a pomba assustada do coração.

Amei-te com os olhos
O espelho doido dos olhos
E a sede inextinguível da boca.

Amei-te com a pele
As pernas e os pés
E todos os gritos que trago
Por debaixo da roupa

Amei-te com as mãos
As mesmas com que te digo adeus.

 

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