COISAS LIDAS
Ela trancava as malas, chamava o táxi, dava a direcção, entrava no aeroporto, sentava-se no avião, fechava os olhos, dormia. Ela acordava noutra cidade, noutros pais, noutra história.
Instalava-se no hotel, mandava subir a bagagem, pegava na chave, metia-se no elevador, percorria o corredor, entrava no quarto, corria as cortinas, sentava-se na cama, suspirava.
Ela pegava no telefone, falava com a secretaria da agência, tomava nota da hora, pousava o auscultador. Tomava um duche, olhava se ao espelho, vestia-se para a reunião, maquilhava se um pouco, agarrava na carteira, apagava a luz, descia.
Ela chamava um táxi, dava a direccao, punha os óculos escuros, enterrava-se no assento, cantarolava, via passar os prédios conhecidos e os desconhecidos pelos vidros sujos,cumprimentava os a todos baixinho, sorria.
Ela entrava na agencia, apertava as mãos, beijava caras mais maquilhadas do que a sustentava-se, apresentavam-lhe os dossiês, estudava-os durante horas, escolhia, mandava entrar os rapazes e as raparigas, todos muito belos e jovens, estudava-os, seleccionava, conversava, deixava-os sair, decidia.
Ela aceitava os convites dos colegas de trabalho para jantar, pedia-lhes que a levassem a algum lugar cheio de cor mas com pouca luz, eles escolhiam sempre um dos restaurantes da moda, ela seguia-os ouvindo o seu tagarelar, tentava divertir-se por vezes conseguia bebia vinho leve comia pouco olhando distraída para as outras mesas e depois pedia para as outras mesas e depois pedia para a levarem a dançar.
Ela entrava no bar e davam-lhe vodka e pouco depois sem que ninguém soubesse como lá estava a musica dela a altos berros the dancing queen dos abba e ela subia para uma mesa uma cadeira uma coluna qualquer coisa que estivesse perto e dançava e ria se muito e dançava e a musica era ela e o copo de vodka baptizava quem estivesse perto e ela cantava a plenos pulmões e beijava na boca o primeiro ou a primeira que se aproximasse derrubava copos sem se dar conta e ao olhar para ela todos deixavam de se importar. O cabelo ruivo brilhava mais e mais e ela estava belíssima. Era impossível não a amar, todos a sua volta lhe queriam fazer promessas e leva la para casa, mas a música acabava, e la saltava do palco improvisado, pousava o copo, descia á terra, saia sem se despedir, caminhava sozinha, apanhava outro táxi.
Ela descalçava os sapatos ainda no elevador, tirava o casaco elo corredor fora, avbria a porta do quarto, atirava o resto da roupa pelo ar, deixava se cair em cima da cama, sentia-se triste e so, desatava a soluçar.
Ela chorava alto e depois chorava baixinho, abracava as pernas, metia a cabeça nos joelhos, chorava mais. Ela pegava no telefone e marcava o número que sabia de cor.
Ela nunca via as horas antes de ligar, sabia que não a atenderiam, de qualquer forma. Respondia a voz no atendedor e, aquela voz tão doce, tão familiar acalmava-a. A pouco e pouco, á medida deixava mensagem, a dor e a solidão iam-se embora devagarinho, na segunda ou na terceira vez que ligava e ouvia aquela voz e lhe contava segredos e sussurrava confissões, começava a sentir-se menos triste e acabava por adormecer com o auscultador encostado á cara, seguro de tal forma que pareciam estar de mãos dadas.
Ela acordava com dor de cabeça, tomava um duche e duas aspirinas, atirava a roupa para dentro da mala maior, sentava se em cima para o poder fechar. Ela punha os óculos escuros, saia do quarto, atravessava o corredor. Ela chamava o elevador, descia ate á recpçao, mandava buscar a bagagem, apanhava mais um táxi.
Ela metia se no avião e fazia de conta que dormia para não conversar com ninguém.
Ela comia toda a comida que lhe pusessem no tabuleiro e sorria muito e adormecia quando o avião descia para aterrar.
Ela entrava num táxi das partidas para não ser confundida com uma turista e depois dava a direcção de casa escrita num papel para ver se a tentavam aldrabar.
Ela metia a chave na porta do prédio, subia os quatro andares a arrastar as malas pesadas e a resmungar. Ela entrava no apartamento, atirava tudo o que tinha nas mãos para o chão, corria a cumprimentar as plantas e os peixes, chamava pelos gatos. Depois, ela sentava se no sofá e, sem nunca as ouvir, apagava uma por uma as mensagens que deixara no atendedor de chamadas.
POR CLAUDIA CLEMENTE JORNAL I SUPLEMENTO