Os cromos de Rita Ferro O DESLUMBRADO
Coisas Lidas
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Dava um rim por um título de Loulé ou de Lafões, mas já se contentava com um apelido enxuto. Não tem dinheiro, grande figura ou casa para receber, mas quer vestir as mesmas coisas e jantar nos mesmos sítios.
Está no seu direito, mas tem de se esforçar muito.
Pode chamar – se Pedro Longarina Torneira de Melo à vontade, porque já descobriu que, se conservar apenas o primeiro e o último nome, adquire «dignidade».
E todos os dias escala os himalaias sociais com uma bravura acrobática.
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Como ninguém o investiga, é possível que chame «herdade» ao quintal que tem no Magoito e «palácio de Carnide» ao casebre de cheiro ativo com que o padrinho o brindou em testamento.
Não tem família, ou por outra, tem-na, mas não a mostra: não se pode dar ao luxo de apresentar os pais, os avós, os irmãos. E percebe-se: para uma pessoa que transcendeu o seu meio á custa de sacrifícios, estudou com dificuldades, enjeitou costumes e linguagens, galgou a pulso, apreendeu o bom gosto e assimilou o civismo para encontrar aceitação neste mundo, é com certeza penoso ver todo o seu esforço ruir pela simples delação de uma parente saloia. E quem diz saloia diz pobre, ou ignorante, ou feia, ou mal vestida, ou ordinária, ou qualquer outro traço genuíno com poder social para gorar, por si só, todo um estatuto adquirido.
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Por razões de segurança, queima os álbuns de infância sem contemplações e vira a cara na rua aos companheiros de turma.
De renúncia em renúncia, vai conseguindo o que quer. Ninguém sabe como é convidado para tudo, de Vilamoura a Sidney e do Minho a Macau, mas lá arranjou maneira de constar dos mailings das discotecas in, das galerias em voga e das embaixadas concorridas.
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É capaz de negar a própria origem, e, ao fim de alguns anos de prática, não sabe de que terra é.
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Não se tem em grande conta e sabe a chacota a que está sujeito; mas acha que não tem outro remédio e reincide no desespero.
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É de direita, mas não sabe bem porquê. Não é nobre, nem militar, nem católico, nem monárquico, nem conservador nem mesmo interveniente; é de direita por indigência, por servilismo. Adora o rei de Espanha porque acha que «o senhor tem bom aspeto»