Num fim de tarde de domingo em Ipanema, Millôr Fernandes confessa diante do gravador: “Não fui dominado por quadros acadêmicos nem pela Igreja nem pelo marxismo”
Coisas Lidas
Você sempre se refere aos idiotas com irritação, nos textos que você escreve. Qual é o maior exemplo de idiotice hoje no Brasil ?
Millôr : “Quem gostava de falar de idiota era Nélson Rodrigues. Se você quiser saber hoje quem é o maior idiota – pode parecer agressivo, mas não é – vamos botar: entre os maiores idiotas do Brasil está Sarney ( quando da gravação da entrevista, Sarney era presidente da República). Não estou brincando com você. Eu o livro que ele escreveu. É um subintelectual. Absolutamente subintelectual. Uma pessoa a quem a vida deu uma oportunidade histórica inconcebível – e ele jogou a oportunidade no lixo, individualmente e sob o ponto de vista nacional. Se você não classificar esta pessoa como idiota, não sei quem você vai classificar”.
O jornalismo cultural que se faz no Brasil presta ?
Millôr: “Infelizmente, não. Sobretudo, ele é extremamente mafioso. Deixa se seduzir por qualquer coisa, desde o poderoso que oferece uísque na piscina até o amiguinho que não tem nenhuma capacidade de transpor esse perigoso ciclo do envolvimento. Não entro no mérito da qualidade intelectual – aí, vão sempre se salvar algumas pessoas”.
É raríssimo ver Millôr Fernandes falando na imprensa, fora das colunas que você escreve. Em TV, praticamente você não aparece nunca. É excesso de timidez, zelo com a imagem ou patrulhagem ?
Millôr : “É cuidado com a imagem. E, mais do que timidez, um imenso tédio. Vejo tanta gente dizendo besteira e tanta gente salvando a humanidade na TV…Outra coisa: pela minha própria profissão, apareço demais. Há outro ponto fundamental: nestas duas últimas vezes em que fui à TV – inclusive num programa a que todo mundo quer ir, o de Roberto D´Ávila – fui pago. Só fui porque me pagaram. Sou um profissional. Não vou encher a hora do seu Roberto Marinho, Saad ou lá quem seja com um tempo da minha vida – que levei anos e anos para valorizar.
Há a babaquice inerradicável do intelectual brasileiro. Ora, o intelectual brasileiro é até hoje um provinciano que acha bonitinho ir à televisão e aparecer. Acha bonitinho escrever nos jornais. Digo que não são só os intelectuais novos e os que não têm nome. Se você pegar a Folha de S. Paulo, é escândalo que inúmeros daqueles colaboradores socialistas do jornal – dou os nomes: Severo Gomes, Fernando Henrique Cardoso – não se dêem conta de que estão fazendo uma lamentável concorrência desleal aos profissionais do setor. São grande nomes, necessários à imprensa. Mas deveriam se reunir, fazer um salário-piso e doar o dinheiro, se acham que não precisam. Mas não podem é escrever de graça. O sistema é mesquinho”.