OS CROMOS DE RITA FERRO O FIDALGO PROVINCIANO
COISAS LIDAS Como não embarca, nem morto, nas alienações típicas da sociedade comercial virada para os valores do dinheiro e da «performance» - não por os desprezar, mas por os desconhecer-, o fidalgo provinciano é, acima de tudo, um resistente, A noção de tempo (…) mede-se em gerações. Ao dinheiro, mesmo que o tenha, prefere a honra, e avalia o poder em termos morais e sociais e não em termos político-partidários. (E. reparem, não é que seja tonto: o que ele faz, nalguns casos até inconscientemente, é defender com unhas e dentes uma dimensão da vida que faz falta a todos nós): Hoje, por circunstâncias que podem variar de caso para caso e de região para região, a maioria encontra-se arruinada; mas, ao contrário do filho do pato-bravo, que esbanja com bestialidade o dinheiro do pai, o fidalgo provinciano não tem cheta porque foi vítima de uma geração singular que veio para a cidade pela primeira vez e sucumbiu ao jogo e às mulheres. Já não lhe chegou nada. No entanto, apesar de algumas falências merecidas e de umas tantas espoliações revolucionárias, é preciso que se diga que a nobreza provinciana tem sabido legar outras heranças. (…) A nobreza provinciana ocupa um papel insubstituível como vector de integração social daqueles valores que nos darão caracter e nos distinguem dos demais. (Quem se quiser rir desta ideia, tem primeiro que se rir do Eça, do Herculano, do Rodrigues Lobo e do Sardinha, para só citar os mais explícitos). E que não se julgue que o fidalgo provinciano regressou á ruralidade, não é disso que se trata; o que acontece é que precisamente a sua característica provinciana que o distingue da cultura de massas dominante – asséptica, estupida, superficial e embrutecedora – e que faz dele o melhor intérprete do «Portugal profundo» que tanto prezam. É talvez por isso que ele não esquece o compromisso que o liga á terra, razão por que tantas vezes tem adoptado atitudes de autoridade e radicalismo. Mas poucos como ele possuem o distanciamento necessário para assistir ao desfilar das modas e das ideologias sem perder a identidade; é talvez por isso que é ele, e não outro qualquer, a constituir o mais seguro e resguardado repositório do que temos de mais genuíno e português. Ah, é verdade: e para o imitarmos naquilo que tem de melhor, não basta envergar capote á alentejana ou chapéu com pena de faisão; da mesma maneira que, para o depreciarmos, não nos devemos limitar a observar o seu sotaque regional, as suas roupas anacrónicas, o seu desajuste mundano-profissional ou o seu discurso ultrapassado e sem brilho; é preciso que nos voltemos para nós mesmos para ver se debaixo de todo este verniz ainda nos resta alguma coisa de autêntico e rirmos primeiro de nós.