COISAS LIDAS
Não disse nada em casa. Tive medo que os meus pais dissessem «coitado» e não «coitada». Na infância, as pessoas são muito sozinhas, mais sozinhas do que nunca. Porque ninguém as percebe, porque ninguém compreende até que ponto sofrem por coisas que os outros acham que ainda não têm idade para sofrer. Porque já são grandes e percebem tudo e os outros continuam a achar que ainda são pequenas e não percebem nada. E é mentira: agora percebo menos as coisas do que percebia naqueles anos, nem se compara. Com sete anos sofria o golpe mais rude da minha curta vida, mas o facto de ser curta não atenua nem consola (…) tinha sete anos como eu, e, em adultos, não nos deixam amar crianças de sete anos, pois não? Conheci –o porque antes dele conhecera a irmã.
Marquei um encontro com a Isabel e lanchámos juntas. (…) e eu , com cinquenta no dia em que reencontrei a Isabel, não podia dizer-lhe que era viúva de um menino de sete anos.
(…)
O Pedro não me escreveu só aquele bilhete que transcrevi atrás (…) escreveu –me mais um bilhete (….)o segundo bilhete só o li depois de ter morrido. Foi a Isabel que mo levou nesse dia que lanchámos:
Mando-te este bilhete pela minha irmã para te dizer que não posso ir á escola porque estou doente. Mas só penso no teu beijo. Vai ser o meu primeiro beijo. Já beijaste alguém?
Não. Pedro, não beijei. Ou melhor: todos os beijos que dei, depois de ti, foi a ti que dei. Mas tem-me feito falta a tua pele. Dar beijos assim, no ar, não sabe tão bem