AS MADRUGADAS DE LINDA LÊ LIDO III
coisas lidas
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encontravam-se frente a frente, como dois soldados que já não sabem porque combatem, mas que continuam a bater-se porque o outro é um inimigo que se odeia como duplo e se ama como razão de ser.
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o meu nascimento não tinha separado os adversários senão para melhor os lançar um contra o outro.
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a sua historia é a daqueles casais que se salvam pelo ódio e tecem, com uma febril idade maníaca, as redes que os aprisionam
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os pais e os filhos são feitos para se devorarem mutuamente.
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acolheu com pesar a noticia do meu suicídio falhado. Lembro-me da sua visita ao hostil, do seu longo silencio e da sua exclamação: mesmo assim, conseguiste escapar! Não restava nenhuma duvida de que o meu pai teria gostado de me ver morto. Era-lhe insuportável que eu tivesse tentado o que ele toda a vida encarara como o gesto decisivo, o remédio para todas as suas angustias, a verdade de uma experiencia que apenas soltava balbuciamentos nostálgicos para gritar o medo do vazio. Que a minha tentativa tivesse falhado era-lhe ainda mais insuportável, quando via em mim um mártir e pressentia, com lucidez, que ele, ele e a sua vida sinistra com a minha mãe, exposta á minha repugnância, era o culpado do meu desejo de morrer, quanto mais não fosse para nunca me parecer consigo. Leu no meu gesto uma condenação, na minha perda de visão uma censura, uma forma de lhe dizer a minha magia. Os pais e os filhos são feitos para se devorarem mutuamente e, ate as fronteiras da morte, a competição prossegue, a luta mantém-se . o meu pai mostrou-se primeiro conciliador . lembrou-me a corda de que me tinha salvo em criança.