AS MADRUGADAS DE LINDA LÊ LIDO VII
coisas lidas
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Transmitiste á tua leitura uma nota elegíaca, sem cair na lamuria. A tua voz dava a cada verso uma energia nova e o poema redobrava de mistério. A não ser Forever, nunca me tinha aproximado de ninguém para quem as palavras fossem um reino. Nunca tinha estado tão perto de uma mulher que conhecesse o valor do que me era querido, acompanhando-me nas delícias dos alimentos espirituais como num manjar clandestino. O meu coração palpitava com esta descoberta. Seria possível que a existência me oferecesse, no momento em que julgava tudo perdido, uma consolação? Eu abdicara , renunciara ao amor e o destino conduzia até mim alguém intimo e desconhecido. Via já em ti uma amiga, uma companheira, uma dessas criaturas cheias de compaixão que conseguem vergar as inclemências da sorte. Levámos tempo a confessar um ao outro o nosso amor, tu por uma espécie de reserva esquiva, eu porque temia ser apenas objecto de piedade. Aparecias cada vez mais vezes fora das horas de leitura. Á hora do almoço, passavas a buscar-me. Íamos até ao cais. Guiavas-me.