Parte XV do grande e do pequeno amor ines pedrosa e jorge colombo lido marc2007
Coisas lidas e vividas
Na nova espiritualidade engendrada pelas cidades, o sofrimento oculta-se atrás de camadas de amargura. (…) Com o correr do tempo e o esboroar da pintura das fachadas a dor foge, faminta, primaria, brutal. A vida urbana aplana as estações da vida, mas nem por isso elas deixam de existir; coisas pequenas e cómodas como a pena, a vergonha, o medo do escuro, soltam-se da mordaça a desoras, fora da juventude que as renegou, e arranham os seus donos, sem piedade. Um desespero assim chorado, nem nos livros de história ela conseguia encontra-lo.
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Tentavam não aludir aos amores do interludio, por mais que ele tentasse subtilmente sonda-la sobre episódios do editor, ou ela tentasse ensurdecer-se aos ecos da garota que o fizera feliz por alguns meses.
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De regresso ao quotidiano conjugal, eles procuravam a receita da eternidade, sem entenderem o quanto a obessessão pela busca lhes dificultava o gozo da felicidade. A nuvem da guerra pairava sobre as suas cabeças como uma ameaça esquecendo que a guerra é a mais longa verdade da condição humana. Não queriam ser mais um casal igual aos outros, com a despensa cheia e a televisão acesa. Mas o que torna um casal igual ao outro é a arrogância do desejo da diferença.