17
Mar08
A TONINO GUERRA
AnnaTree
Coisas lidas
No centro da Praça de São Marcos, um velho, com sobretudo rasgado e uns sapatos sem atacadores, espalha milho no chão. Os donos dos cafés e os polícias conhecem-no, sabem que é inofensivo e deixam-no repetir, todas as manhãs, aquele ritual. Ele chega, olha para as nuvens que pairam sobre a laguna, observa o voo dos pombos sobre o Gran Canale e lança para o chão, em círculo, o milho que traz em dois cartuchos de papel pardo. Há cinquenta anos, numa manhã de Novembro, ele soltou, naquele preciso lugar, um pombo que levava, presa a uma das patas, uma minúscula bolsa de couro. Lá dentro, num papel dobrado, uma historia de um só paragrafo, sem fim. É a resposta a essa história que ele aguarda, todos os dias, em todos os pombos que debicam o seu milho. Mas hoje, do céu negro, ele só pode esperar chuva gélida. E relâmpagos.
José Mário Silva no DNA (suplemento de sábado do «Diário de Notícias» obrigada zé!*
No centro da Praça de São Marcos, um velho, com sobretudo rasgado e uns sapatos sem atacadores, espalha milho no chão. Os donos dos cafés e os polícias conhecem-no, sabem que é inofensivo e deixam-no repetir, todas as manhãs, aquele ritual. Ele chega, olha para as nuvens que pairam sobre a laguna, observa o voo dos pombos sobre o Gran Canale e lança para o chão, em círculo, o milho que traz em dois cartuchos de papel pardo. Há cinquenta anos, numa manhã de Novembro, ele soltou, naquele preciso lugar, um pombo que levava, presa a uma das patas, uma minúscula bolsa de couro. Lá dentro, num papel dobrado, uma historia de um só paragrafo, sem fim. É a resposta a essa história que ele aguarda, todos os dias, em todos os pombos que debicam o seu milho. Mas hoje, do céu negro, ele só pode esperar chuva gélida. E relâmpagos.
José Mário Silva no DNA (suplemento de sábado do «Diário de Notícias» obrigada zé!*