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Arvore De Letras

Coisas lidas,ouvidas,cantadas, declamadas,faladas,escritas

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21
Dez18

Mia Couto sangue da atriz no cinema da vida

AnnaTree

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Coisas lidas

 

 

Dois namorados dividem ao meio e cada metade é ainda o mundo todo. Assim estavam os dois apaixonados frente a frente, ensinando a vida  a ser bonita. Via-se que ele estava cercado por ela, a beleza dela transbordava mesmo onde não estava. 

 

Borboleteou dois dedos à volta da blusa dela: a menina foi saindo de sua roupa. Sobre seus pés, a blusa tombou como essas folhas que as árvores lacrimejam . Foi quando se sacudiu baixando O rosto. Nos olhos dela dançava uma tentação, mas o coração dele pestanejava. 

Olhou-a no alvoroço da nudez, agora com mais pensamento que sentimento: uma flor pode sair de suas pétalas? Essa pergunta lhe afligia. Afinal, desfeita a corola, o que resta da flor? Ela notou ausência do seu rosto.

Avaliou mal, querendo que seu amado ficara sem governo. Aquele desmaio em seu gesto só podia ser tontura do desejo, embriaguez de se tocarem. Disse-lhe:

- Já descobri: sabes o que te faz ser tão magro? 

- Não. É o quê? 

  falta de sorriso. 

Ela chegou-se até ficar junto à respiração dele. Agora, repartiam o mesmo suspiro. A menina ficou de cintura à espera. O abraço não veio. Desceu as pálpebras para que a luz daquele momento fosse só a que brotava de si mesmo.Mas o outro não se entregava. Então ela deu folga às pestanas e contemplou o namorado . Estava parado .

 

(...)

Num murmúrio de búzio assustado, ele retocou o momento: 

- Veste a tua roupa. 

Ela se espantou: porquê aquela desistência súbita? Em silêncio consultava o amado procurando razões . De onde provinha aquela demissão no exato momento em que só cumpria a promessa de um sonho tão professado? E como não encontrasse resposta, seus olhos se molharam. 

- Desculpa — disse ele. — Tudo, assim tão nua , não sou nem capaz… 

- Quer que apaga luz? 

- Não , quero ver-te. Mas vestida. 

Com gesto sonâmbulo , ela foi recolhendo as roupas. Antes de as voltar a vestir, seus dedos a elas dedicaram, alinhando as, consolando as. Como se pedisse desculpa. 

Saíram os dois para a rua. Ele, mais à frente, de rosto em meia haste. Ela puxou decisão, avançou alguns passos, e , a seu lado: 

- olha, sabes fazemos o quê? Vamos ver outra vez o filme! 

- outra vez? 

- Sim. Para vermos como é que eles faziam, os dois namorados do cinema. 

Ele sorriu, embaraçado. Inventou argumento, desculpou-se. Mas o sorriso dela acabou vencendo. Iriam repetir as cenas, recapitular românticas visões. Fez as contas: será que o dinheiro chega?

 Foi então que o susto lhe estremeceu: meu Deus, a carteira? Apalpou os bolsos: nem sombra. Mas, onde? Não podia ter desaparecido, ainda agora a sentiu quando ensaiavam o namoro. A suspeita volume da carteira ferro sobre o peito roçando-lhe o peito . Mesmo a pouco a sentir o quanto ensaiavam o número o namoro. A suspeita se desenhou quase com fúria: 

- Ei, nada  das brincadeiras: onde é que está a minha carteira? 

Ela teve um embate. Preveniu-se. Ele repetia a pergunta ser mais queria escutar. Ela desconhecia o tom da sua voz, aquela cena quase a fugia da realidade. Ia tentar a primeira desculpa quando a mão do namorado se fechou em pedra no seu rosto. Segunda e terceira bofetada. Ela começou a chorar. Mas, por dentro, a situação lhe foi parecendo como sendo dos cinemas, igual à do filme em que a atriz caía de pintura escangalhada, esmurrada pelo herói. E aquela parecença lhe deu quase um contentamento, como se o pavimento sujo em que tombara fosse o macio do ecrã, a toalha luminosa onde ela se parecia com as estrelas .

 

 

 

 

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